Redpill: a volta dos homens das cavernas com wi-fi e assinatura premium

Se você ainda não ouviu falar do tal movimento redpill, parabéns: isso diz muito sobre a qualidade do seu algoritmo e da sua saúde mental. Mas para quem está minimamente atento às redes — especialmente YouTube, TikTok e fóruns masculinizados da internet — o redpillismo é o novo refúgio de uma geração de homens perdidos entre o fim da dominação patriarcal e a dificuldade de lidar com mulheres que não aceitam mais ser tapete.

Vestidos de “realistas”, esses youtubers de voz grave e estética de coach existencial dizem estar oferecendo a verdade nua e crua. Só que, no lugar de análise social ou crítica política, entregam um caldeirão de ressentimentos reciclados, recheados de “ciência de boteco”, moralismo sexual e um bom toque de nostalgia das cavernas. Literalmente.

A “filosofia” da redpill: cromossomos, testosterona e teorias de barbearia

A base teórica? Uma mistura de Darwin mal digerido com manual do macho alfa comprado na Amazon. Para eles, a sociedade é governada por uma suposta “hipergamia feminina” (não é piada), que explicaria por que as mulheres não querem mais se casar com qualquer Zé que tem CPF. A saída? Segundo os “redpillers”, é se tornar um “macho de alto valor” — o que geralmente inclui:

# Ter músculos inflados (mesmo que pagos em 12x),

# Dinheiro (nem que seja de pix de seguidores),

# Desprezo por qualquer forma de sensibilidade.

Ou seja: a mesma cartilha de sempre, com efeito Instagram.

Do ressentimento à misoginia gourmet

Por trás da fachada de “autodesenvolvimento” mora um discurso misógino, violento e autoritário. As mulheres são tratadas como objetos de troca, classificadas por notas (sim, como em um cardápio de hamburgueria artesanal), e qualquer discurso de igualdade é chamado de “marxismo cultural” — esse espantalho tão amado por quem nunca leu Marx nem entende o que é cultura.

O redpill não é só uma bobagem. É uma forma de radicalização machista em tempos de crise, que se aproveita da solidão masculina e do colapso dos vínculos sociais para construir uma comunidade de ódio, ressentimento e autoritarismo. É o fascismo com anabolizante.

O retorno simbólico às cavernas

Os defensores da redpill querem nos convencer de que tudo era melhor quando o homem caçava e a mulher cuidava da caverna — ignorando que:

1. Nem na Idade da Pedra era tão simples assim;

2. Hoje, quem caça é o iFood, e quem limpa a caverna geralmente é uma mulher mal remunerada.

Trata-se de um desejo profundo de retornar a uma ordem autoritária onde o homem não precisava dialogar, entender, dividir tarefas ou respeitar. Uma espécie de “revolta dos medíocres”, travestida de filosofia.

Feminismo emancipacionista: o antídoto

Contra essa barbárie requentada, o feminismo emancipacionista — aquele que luta não só pela igualdade formal, mas pela transformação profunda das estruturas sociais — segue sendo a vacina mais potente.

Ele não busca inverter hierarquias, mas derrubar a ideia de que alguém precisa estar por cima para que a sociedade funcione.

Não queremos homens frágeis, envergonhados ou submissos. Queremos homens inteiros, conscientes, capazes de partilhar a vida — e não de competir num ringue imaginário onde o prêmio é o ego inchado e a solidão eterna.

Em vez de “tomar a redpill”, que tal tomar juízo?

Se você é homem, jovem, está confuso, frustrado, cansado do mundo — ótimo. Todos estamos. Mas cuidado com quem se apresenta como salvador oferecendo “a verdade” embalada em ódio e superioridade. Isso nunca acaba bem. Nem na ficção.

Porque no fim das contas, a verdadeira pílula libertadora não é a vermelha dos redpill.

É a pílula roxa da consciência social, da igualdade radical, da libertação de todos e todas de uma sociedade que nos amarra em papéis que só nos destroem.

Este artigo foi escrito com a bússola da militância engajada, com os pés na realidade e o coração na luta por uma sociedade mais justa, igualitária e, sobretudo, civilizada. As cavernas podem ficar para os fósseis. Nós, homens e mulheres, queremos futuro.

Carlos Lima, economista e dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

 

 

 

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