Raimunda Leone: 13 de Maio

No dia 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, o Brasil pôs fim, ao menos formalmente, à escravidão. Foi o último país das Américas a abolir a escravidão legal, após quase quatro séculos de exploração brutal da população negra. Contudo, essa abolição não se deu por bondade da monarquia, como insiste parte da história oficial: ela foi resultado da luta incessante do povo negro — dos quilombos às revoltas urbanas, das lideranças abolicionistas negras às redes de solidariedade e resistência forjadas por trabalhadores e trabalhadoras que jamais aceitaram a condição de mercadoria humana. Passados 137 anos, o Brasil continua marcado por profundas desigualdades raciais que revelam a face incompleta da abolição. O mito da democracia racial segue mascarando a realidade de exclusão e violência, enquanto as estruturas do racismo institucional mantêm o povo negro no centro da opressão econômica e social. Desigualdade Estrutural e Racismo Institucional Os dados oficiais expõem essa realidade sem rodeios. Conforme os levantamentos mais recentes do IBGE, mais de 70% das pessoas em situação de pobreza são negras. A taxa de desemprego entre negros é sempre superior à dos brancos, e quando empregados, seus rendimentos médios são consideravelmente menores. A juventude negra segue sendo a maior vítima da violência letal no Brasil, especialmente nas periferias urbanas, perpetuando um verdadeiro genocídio silencioso. Mesmo com avanços, como a ampliação das políticas de cotas e ações afirmativas, a presença negra em espaços estratégicos de poder político, econômico e social ainda está muito aquém do que corresponde à sua participação majoritária na população brasileira. A exclusão histórica da população negra não foi superada; ela apenas mudou de formas e se sofisticou. A Força da UNEGRO e do Movimento Sindical Classista Neste cenário, a luta organizada do povo negro se fortalece por meio de entidades como a UNEGRO (União de Negros pela Igualdade), que há mais de três décadas atua como um dos principais esteios na mobilização antirracista, articulando bandeiras históricas e contemporâneas — da luta por reparações à defesa da vida negra diante da política genocida do Estado. A UNEGRO tem sido fundamental na formulação de políticas públicas e na articulação de campanhas contra o racismo estrutural, sendo protagonista em jornadas como o Novembro Negro e na defesa intransigente dos direitos quilombolas, das mulheres negras e da juventude periférica. O movimento sindical classista, liderado pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), também desempenha papel decisivo nessa caminhada. A CTB entende que a luta contra o racismo não está separada da luta de classes: são dimensões interligadas de uma mesma batalha contra a exploração e a opressão. Assim, temos atuado para que a pauta antirracista seja transversal em todas as nossas campanhas — nas negociações coletivas, nas lutas por direitos trabalhistas, e na defesa da soberania e do desenvolvimento nacional com justiça social. A CTB reafirma que não haverá verdadeira emancipação da classe trabalhadora sem o combate frontal ao racismo. Por isso, buscamos ampliar as políticas de formação antirracista, incentivar a participação negra nas direções sindicais e fortalecer a unidade das lutas contra todas as formas de opressão. Desafios Atuais e Perspectivas Hoje, mais do que nunca, é urgente fortalecer e expandir políticas públicas antirracistas. A reconstrução do SINAPIR (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial), a retomada das titulações de terras quilombolas, o fortalecimento das cotas raciais, a criação de políticas robustas para a juventude negra e o enfrentamento da violência policial são apenas algumas das prioridades. Não menos importante é a batalha simbólica: descolonizar a memória histórica, resgatar a centralidade do povo negro na construção do Brasil e valorizar sua contribuição em todas as esferas — econômica, política e cultural. A luta por reparações históricas não é apenas uma reivindicação moral, mas uma exigência concreta de justiça. Abolição Inacabada e Luta Permanente Os 137 anos da abolição não representam um ponto final, mas sim um marco de reflexão e reafirmação de que a luta continua. Como mulher negra, metalúrgica e dirigente sindical, sei que cada conquista foi fruto de muita luta e que nada nos foi dado de graça. A abolição incompleta nos ensina que só a organização popular e a luta coletiva poderão romper definitivamente as correntes da opressão racial e de classe. Citando Lélia Gonzalez, “não existe democracia racial sem justiça social”. E como diz a palavra de ordem do movimento negro e da CTB: enquanto houver racismo, não haverá democracia plena no Brasil. A luta segue!

 

*Raimunda Leone é Secretária Geral da CTB Rio de Janeiro.

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