- 27 de agosto de 2024
- Publicado por: José Medeiros
- Categorias: Notícias CTB Nacional, Notícias CTB-RJ
Há décadas, as operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro parecem ser a única forma como o governo do Estado parece saber cometer o crime organizado. Ocupação policial, confrontos armados, um clima de terror que se repete todo dia em alguma comunidade pobre ou periférica da região metropolitana e que não tem conseguido apontar melhoras na segurança carioca e fluminense.
Ano após ano, o Rio de Janeiro segue com as ações da pasta da segurança pública focadas na política do confronto armado e que geralmente ocorrem em momentos de grande fluxo de pessoas nas ruas. Nem mesmo os resultados irrisórios dessas investidas mudam a forma dos governantes fluminenses pensarem e agirem no âmbito da segurança pública. As práticas se repetem governo a governo.
Essa semana, a imprensa descobriu algo de que já falamos há muito tempo: os impactos da política de segurança pública aplicada no Rio de Janeiro afetam diversas áreas. São pais e mães no fogo cruzado para tentarem chegar vivos aos seus empregos e prover o sustento de suas famílias. São crianças sem saber se poderão estudar no dia seguinte e condenadas, pela sua condição social, por serem pobres e em sua ampla maioria negras, a terem uma carga horária menor. São pessoas doentes que perdem o direito aos acessos à saúde. Direitos em série negados para pouco ou nenhum resultado.
Sem conseguir apresentar nenhum avanço real no combate ao crime, as operações se resumem à prisão de alguns solados do tráfico e apreensão de alguma quantidade de drogas, apenas danos leves ao crime organizado. Do outro lado, no entanto, no lado do trabalhador, do estudante, do morador, os impactos são sempre muito grandes.
Nos últimos anos, o Rio de Janeiro testemunha um aumento significativo nas operações policiais em favelas. Operações que quase sempre envolvem confronto armado. Ações violentas que resultam em mortes, feridos e um clima de medo constante entre os moradores. Um clima de medo e incerteza com o qual convivem todos, mas que afeta mais as pessoas negras.
Em 2021, aproximadamente 87% das pessoas mortas pela polícia no Rio de Janeiro eram negras, destacando a desproporcionalidade da violência policial contra essa população. No primeiro semestre desse ano, 55% das pessoas que deram entrada no hospital por ferimentos à bala foram vítimas do confronto entre policiais e traficantes. As trocas de tiros entre polícias e traficantes representam um terço do total de todos os confrontos armados do Estado. São uma média de sete tiroteios por dia. Somente de janeiro a julho desse ano, foram 1.346 tiroteios/disparos de arma de fogo em favelas cariocas. Os dados são do Instituto Fogo Cruzado.
Nesse clima de terror, uma das maiores vítimas é a educação. Muito se fala sobre os problemas da escola pública e dos desafios para uma educação pública, gratuita, socialmente referenciada e ao alcance de todos, mas não existe escola que consiga produzir excelência e qualidade em meio ao medo e à repressão. Em períodos de operação, as escolas são as primeiras a fechar as portas para garantir a segurança das famílias e dos profissionais que nelas atuam. O direito à educação, na prática, é retirado dos cidadãos da comunidade-alvo pelo Estado. Assim como outros direitos, como o de ir e vir, o acesso à saúde, até mesmo o próprio direito à vida e à dignidade humana, estão em xeque em dia de operação policial na comunidade.
A interrupção das aulas afeta desproporcionalmente as crianças pobres e majoritariamente negras que encontram nela um obstáculo ao seu direito de estudar, aprender e sonhar com um futuro melhor para si e para suas famílias. Na tabela a seguir, uma estimativa do impacto de operações policiais em algumas das comunidades do. Rio de Janeiro. Utilizamos como base para esses dados as notícias vinculadas nos principais veículos da grande mídia comercial carioca.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pesquisas acadêmicas mostram que cerca de 80% dos moradores das favelas são negros ou pardos. Números que não surpreendem pois essa composição nada mais é do que o legado da história de uma nação que teve a escravidão negra no centro do seu projeto econômico e social por séculos e que quando aboliu esse sistema escravocrata não incluiu as pessoas negras em um projeto de nação
Sem ter opções, sem nenhuma política de inclusão, sem projetos de urbanização, e muito menos acesso à educação, essa camada da sociedade foi empurrada para as favelas e periferias. Regiões abandonadas pelo Estado, carentes de serviços e facilmente controladas pelo crime organizado. E até hoje assim permanece, com famílias pobres enfrentando diariamente uma série de desafios relacionados à infraestrutura precária, violência, e falta de serviços básicos. E que ainda vê os poucos serviços que tem impactados e inviabilizados por ações do próprio Estado que parece não pensar nas vidas que ali moram quando realiza um númeor tão elevado de operações.
Estudos e dados sobre a diferença no número de horas-aula entre estudantes de diferentes origens sociais e étnicas indicam que há uma discrepância significativa. Em média, um estudante jovem negro da favela no Rio de Janeiro pode ter cerca de 10 a 15 horas-aula a menos por mês em comparação a um jovem branco de classe média da zona sul carioca. Nos primeiros sete meses do ano letivo de 2024, os 20 mil estudantes das 49 escolas da Maré perderam 26 dias de aula (até 22/08) devido às operações policiais realizadas na região.
Além disso, os estudantes de áreas mais desfavorecidas frequentemente enfrentam desafios adicionais, como falta de material didático, infraestrutura inadequada e menos suporte extracurricular, o que pode contribuir para essa disparidade.
Outro fator a causar impacto na educação dos jovens negros das favelas foi a pandemia da Covid-19. Durante o período, por necessidades sanitárias, as escolas foram fechadas e muitas crianças de famílias de baixa renda, predominantemente negras, não tiveram acesso adequado ao ensino remoto. A combinação de operações policiais e a pandemia resultou em uma perda significativa de aprendizado e aumento das desigualdades educacionais. Em 2020, mais de 5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros ficaram sem acesso à educação, sendo que 71,7% desses jovens eram afro-brasileiros.
Esse ciclo vicioso de falta de acesso à educação aumenta a vulnerabilidade dessas crianças à violência e à criminalidade, perpetuando a marginalização e a exclusão social. A ausência de políticas públicas eficazes para garantir a segurança e o acesso contínuo à educação nas favelas é um reflexo da negligência do governo em relação às necessidades dessas comunidades.
Em resumo, as operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, combinadas com o fechamento das escolas, têm um impacto devastador no acesso à educação para crianças negras. É urgente a implementação de políticas que garantam a segurança e a continuidade educacional, promovendo uma sociedade mais justa e inclusiva.
Desempenho da Educação Pública Fluminense
Rever a política de segurança púbica ou como se fazem as operações é um desafio que a secretaria de segurança pública e o gabinete do governador precisam se debruçar. A fórmula está esgotada, não apresenta resltados e a cidade não suportam ais os confrontos diários que têm. Mas apenas parar com as operações não melhorará a educação dos jovens negros e colocá-la no patamar que precisa alcançar. É preciso olhar também a situação da escola pública e os desafios da educação no Rio de Janeiro.
A educação pública é um grande desafio para a promoção da cidadania plena a jovens negros e periféricos do Rio de Janeiro. Conforme os dados do Censo Escolar, a taxa de alfabetização no estado do Rio de Janeiro cresceu apenas 1% nos últimos 12 anos. Esse aumento é insuficiente para dar ao povo fluminense a educação por ele merecida e almejada.
Nosso estado é apenas o 16º no ranking do IDEB dos anos iniciais e 19º nos anos finais do ensino fundamental e médio. Possuímos a universalização do atendimento escolar para crianças e a adolescentes entre 6 e 14 anos, com 99,9%, porém quando falamos de creches que atendem crianças de 0 a 3 anos esse índice chega apenas a 36,3%. E mesmo com um alto índice de jovens de 15 a 17 anos estejam na escola somente 64% dos jovens de 19 anos completaram o Ensino Médio.
Os índices sobre a aprendizagem são mais alarmantes ainda: apenas 40,1% dos alunos que concluem o Ensino Médio têm aprendizagem adequada em Língua Portuguesa, e apenas 11,5% em Matemática. A desigualdade na aprendizagem é evidente, com indicadores muito diferentes entre escolas públicas e privadas que no caso fluminense vê 76% de sua estrutura física ter necessidades urgentes de reformas.
Foi o caso da Escola de Teatro Martins Penna, fundada em 1948, e que mesmo tendo seu nome vinculado à excelência e grandes contribuições ao desenvolvimento das arts. cênicas no Brasil, se encontra passando por graves problemas estruturais que interditaram seu histórico local de funcionamento. Além da estrutura física, esse patrimônio da cultura brasileira também sofre com baixo orçamento e falta de profissionais. Se a Martins Penna, passa por isso, imagine o que enfrenta diariamente a escola púbica que fica no coração da favela!
Os jovens negros e das periferias, quando tem aulas são em escolas com problemas de todos os tipos, tornando sua jornada pelo acesso à educação a cada dia mais desafiadora. A escassez de recursos e a má qualidade da educação pública intensificam as barreiras que esses estudantes enfrentam, exacerbando as desigualdades e limitando suas oportunidades de futuro. Não é sobre não ter uma escola com um curriculum atrativo, outro debate importante nessa questão, mas que faremos em outro momento. É sobre ter uma escola capaz de funcionar no pleno de suas operações e cumprir o papel para o qual foi criada.
A falta de investimento na formação e valorização dos professores, combinada com uma infraestrutura inadequada, cria um ciclo de desvantagem que perpetua a exclusão social e econômica. Um ciclo que precisa ser freado, analisado, combatido e exterminado para podermos dar um passo à frente como sociedade. Precisamos defender a escola pública, lutar por ela e transformá-la na educação que possa não apenas promover o aprendizado, mas a própria cidadania. Com ambientes de paz, infraestrutura adequada, revisão curricular, relações mias humanizadas, começamos dar os primeiros passos para a educação que queremos alcançar.